ISABEL XAVIER
16 Mar 2024

Tecer Abril

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Ao contrário do que aconteceu aos regimes ditatoriais europeus que seguiam uma matriz ideológica congénere, e que foram vencidos na II Guerra Mundial, em Portugal a ditadura perdurou 48 longos anos. O “Estado Novo” – designação atribuída ao regime ditatorial a partir da Constituição de 1933 – surgiu na sequência do golpe de estado militar que pôs fim à Primeira República, em 28 de maio de 1926, e teve o seu fim a 25 de abril de 1974, igualmente através de um Golpe de Estado Militar, mas de sentido oposto, levado a cabo pelas Forças Armadas, que haviam sido o maior apoio do regime, pelo menos até à perda da Índia Portuguesa e à Guerra Colonial.

Proceder à descolonização foi uma das principais deliberações da Carta das Nações Unidas, organismo internacional criado para preservar a paz após a II Guerra Mundial. O governo de Salazar recusou-se a seguir essa orientação, argumentando que Portugal era do “Minho a Timor” e que as colónias eram “províncias ultramarinas”. Os portugueses ficaram isolados no mundo, “orgulhosamente sós”, como disse o ditador, embora cada vez fosse maior o descontentamento e a frustração que sentiam. Assim, se viram envolvidas numa Guerra Colonial em três frentes – Angola, Moçambique e Guiné, entre 1961 e 1974. Por fim, os militares perceberam que a solução para a guerra colonial não era militar, mas política e que esta não se faria sem o derrube do regime político que a sustentava.

O Movimento das Forças Armadas conspirou para dar fim ao regime, cujo “princípio do fim”, como lhe chamou o historiador Fernando Rosas, ocorreu com o “Golpe das Caldas” a 16 de março de 1974. Mas no dia 25 de abril de 1974, a “operação fim do regime” foi bem sucedida e teve início uma nova fase da História de Portugal que se propunha levar a cabo um programa norteado por três “D’s” – Democratizar, Descolonizar, Desenvolver.

Américo Tomás e Marcelo Caetano foram destituídos e exilados para o Brasil. A PIDE-DGS (polícia política), a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa, a Censura Prévia e a Ação Nacional Popular foram extintas. Os presos políticos foram amnistiados e libertados, ao mesmo tempo que opositores do regime no exílio regressaram a Portugal.

Foi autorizada a formação de partidos políticos e de sindicatos livres. Foi prometido, e cumprido que se realizariam eleições consituintes no prazo de um ano.

A transformação do golpe militar em revolução aconteceu porque o povo não só apoiou os militares, como agiu de forma revolucionária. O povo acorreu à rua logo no dia 25 de abril e ainda mais massivamente no dia primeiro de maio, dia do trabalhador, que passou a ser feriado nesse ano. Há duas grandes especificidades na revolução dos cravos: o facto de os militares fazerem um golpe de estado para instaurar a democracia, situação única no mundo e o facto do povo, até então alheio à política, se ter mobilizado a ponto de agir de uma forma tão singularmente revolucionária.

Por último, é preciso recordar que nunca devemos tomar nada como garantido e que a democracia é algo que se constrói diariamente, não apenas no dia de votar, e que isso pressupõe a participação e o empenho de quem é defensor da democracia, a fim de continuarmos a “tecer abril”.

– Isabel Xavier –